domingo, 26 de junho de 2011

Conjuntura ou estrutura?

Mudanças conjunturais não bastam

Wilson Correia

Eventos, manifestações e marchas por igualdade e liberdade contam mais de meio século, com Martin Luther King tomado como referência nesse sentido. Representam, ao longo dessas décadas, uma luta política mais ou menos exitosa, à medida que ações inclusivas e tolerantes criaram sociedades liberais mais arejadas no que respeita à convivialidade.
O machismo ainda é imenso, mas as mulheres avançaram como sujeitos sociais. Nossa sociedade ainda é brutalmente preconceituosa, mas os afrobrasileiros estão obtendo conquistas significativas. Somos homofóbicos em vários aspectos, mas a comunidade LGBT tem feito avanços em suas lutas por respeito. Portadores de necessidades especiais, ainda que a passos lentos, abrem espaços para terem seus direitos no foco das preocupações.
Essas são conquistas registradas nessas recentes décadas. Porém, no campo da justiça econômica, o mesmo não tem acontecido. Por que será?
Sobre esse paradoxo, Robert Kuttner* indaga e responde: “Por que, então, estamos andando para trás, quando se trata de justiça econômica? Isso se deve ao poder. Os proprietários da riqueza financeira se tornaram cada vez mais poderosos politicamente, enquanto os movimentos que lhes são contrários se tornaram drasticamente enfraquecidos”. Trata-se, então, de uma luta de poder na qual setores organizados têm suas causas e bandeiras subsumidas pela sociedade liberal.
Essa sociedade procede a uma inclusão e tolerância conformes ao interesse do sistema. Inclusão e tolerância inofensivas, que não devem colocar em questão a estrutura da sociedade de mercado. Já me abespinhei diante de uma palestrante para quem o máximo da libertação feminina seria a mulher portadora de carteira assinada, nem se dando ao trabalho de colocar à crítica o fato de a mulher ganhar cerca de 30% menos que o macho ao realizar o trabalho que o homem faz.
Mas, segundo Kuttner, que analisa a sociedade estadunidense, aí estão os proprietários do mundo, com riquezas vinculadas aos seus nomes individuais. Eles acumularam poder político bastante para forjarem marcos regulatórios de inclusão e tolerância contidas, reguladas, controladas, disciplinadas, fazendo com que autores, como István Mészáros, por exemplo, chamem a atenção para além da conjuntura, lembrando que a crise que vivemos é estrutural e requer reformas estruturais.
Em recente palestra ministrada em Salvador, Mészáros** diagnosticou o atual momento do capitalismo como o de uma crise “universal”, de escopo “global”, “permanente”, desde os começos do imperialismo, e “gradual”. Essa crise, segundo o conferencista, materializa-se em três esferas: “(1) na esfera militar, com as intermináveis guerras do capital desde o começo do imperialismo monopolista nas décadas finais do século dezenove, e suas mais devastadoras armas de destruição em massa nos últimos sessenta anos; (2) a intensificação, através do óbvio impacto destrutivo do capital na ecologia, afetando diretamente e já colocando em risco o fundamento natural elementar da própria existência humana, e (3) no domínio da produção material e do desperdício cada vez maior, devido ao avanço da ‘produção destrutiva’, em lugar da outrora louvada ‘destruição criativa’ ou ‘produtiva’”.
Desse modo, vale dizer que, no que respeita ao Brasil, a legitimidade das lutas conjunturais de mulheres, afrobrasileiros, LGBT, dentre outros, não devem ofuscar as lutas populares por justiça econômica por parte da sociedade organizada. A liberdade marchando sozinha cria tiranos (donos do mundo de que fala Kuttner). Por isso a justiça econômica tem de marchar em parelha com a da liberdade. Para tanto, como pontua Mészáros, precisamos enfocar a necessidade de transformações mais profundas, que alcancem as estruturas da sociedade do capital. Ou será que os donos do mundo vão mesmo continuar impedindo que esse movimento aconteça?

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Fontes:
*http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17951&boletim_id=946&componente_id=15300.
** http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/ultimas/istvan-meszaros-abre-ii-encontro-de-sao-lazaro/.

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