domingo, 5 de junho de 2011

O que será?

Chico Buarque

O que será que me dá?
que me bole por dentro, será que me dá
?
que brota à flor da pele, será que me dá?
e que me sobe às faces e me faz corar?
e que me salta aos olhos a me atraiçoar?
e que me aperta o peito e me faz confessar?
o que não tem mais jeito de dissimular?
e que nem é direito ninguém recusar?
e que me faz mendigo, me faz suplicar?
o que não tem medida, nem nunca terá?
o que não tem remédio, nem nunca terá?
o que não tem receita?

O que será que será
?
que dá dentro da gente e que não devia?
que desacata a gente, que é revelia?
que é feito uma aguardente que não sacia?
que é feito estar doente numa folia?
que nem dez mandamentos vão conciliar?
nem todos ungüentos vão aliviar?
nem todos os quebrantos, toda alquimia?
que nem todos os santos, será que será?
o que não tem descanso, nem nunca terá?
o que não tem cansaço, nem nunca terá?
o que não tem limite?

O que será que me dá?
que me queima por dentro, será que será?
que me perturba o sono, será que me dá?
que todos os tremores me vêm agitar?
que todos os ardores me vêm atiçar?
que todos os suores me vêm encharcar?
e todos os meus nervos estão a rogar?
e todos os meus órgãos estão a clamar?
e uma aflição medonha me faz implorar?
o que não tem vergonha, nem nunca terá?
o que não tem governo, nem nunca terá?
o que não tem juízo?

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