terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre o livro que ensina falar errado

Wilson Correia

Não sou lingüista, mas também não sou adepto da hiperdisciplinaridade. Nessa condição, recentemente assisti, estupefato, à polêmica sobre se um livro que ensina as variações lingüísticas ensina o errado pelo certo. Foi desinformação, asneirice e muito ódio ideológico derramado nos canais da “grande mídia” (Sabemos bem de que lado ela está...).
Trata-se do livro “Por uma vida melhor”, da coleção “Viver, aprender” (Editora Global), de autoria de Heloísa Cerri Ramos. Consegui o tal livro. Li seu conteúdo no polêmico capítulo. Os lingüistas comprometidos com uma abordagem científica e sem neutralidade, mas a favor da pluralidade e do respeito aos diferentes, não viram nenhuma heresia nas linhas do citado livro. Também não consegui ver onde reside, no capítulo em questão, o tamanho perigo que assola a Língua Portuguesa.
Vi, sim, a velha batalha da “norma” contra a espontaneidade da língua. Uma rede de pesca com a ilusão de querer fazer o rio mudar o próprio curso e correr para cima. Tenho minhas dúvidas se o poder da gramática irá conseguir se impor como a língua certa, quando sabemos que ela aparece em um segundo momento para tentar controlar a fala das pessoas por meio de regras que todo mundo estuda para esquecer.
Mas essa certeza não me tira o receio. Em um mundo onde a Terra já foi o centro do universo e onde o ariano se fez o de raça pura, tenho lá minhas dúvidas se a aceitação da diferença encontra-se imune aos atentados hostis dos puristas da língua.
No mais, apenas o trecho de um livro que li há algum tempo me chega à memória. Ele diz: “... não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência” (CHAUÍ, M. de S. “Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas”. São Paulo: Moderna, 2003, p. 7).
Que essa competência tirânica “autorizada” que infestou a “grande mídia” faça o favor de se desviar de mim quando resolver sair às ruas e ensinar que o que o povo fala é o erro, e que os intolerantes da elite ilustrada brasileira é que são os únicos autorizados a nos dizer como devemos dizer as coisas que dizemos para nos fazer entender e cultivar nossos projetos, sonhos, alegrias e decepções.

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Fonte: RL

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