segunda-feira, 25 de julho de 2011

Amy Winehouse: sujeito ético

Wilson Correia

No dicionário da língua portuguesa, “sujeito” significa, entre outras coisas, “dependente”, “subjugado”, “submetido”, “obediente”, “dócil”, “cativo”, “domado”, “exposto” e “susceptível”. Entretanto, no dicionário de filosofia, colocado na ótica dos estudos sobre o conhecimento, “sujeito” nomeia “o pólo da consciência representativa, da individualidade, contraposto e necessariamente correlato ao polo do objeto representado” (GIACÓIA JÚNIOR, O. “Pequeno dicionário de filosofia moderna”. São Paulo: Publifolha: 2009, p. 164).
Para Foucault, o conceito de sujeito tem dupla acepção, a de submetido “a alguém pelo controle e dependência” e a de “preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento” (DREYFUS, H. & RABINOW, P. “Michel Foucault: uma trajetória filosófica”. São Paulo: Forense Universitário, 1995, p. 235). Há, aí, um sujeito bifurcado, diante dos caminhos da objetivação e os da liberdade.
O sujeito objetificado o é em meio às relações de poder, articuladas às de saber. O sujeito livre constitui-se, também, em meio às relações humanas, atravessadas por questões de saber-poder, mas na perspectiva do embate e combate ao assujeitamento, o que leva à insubmissão, uma das portas da liberdade, uma vez que "o indivíduo circunscreve a parte dele mesmo”, “define sua posição em relação ao preceito que respeita” e “estabelece para si um certo modo de ser que valerá como realização moral dele mesmo; e, para tal, age sobre si mesmo, procura conhecer-se, controla-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se" (FOUCAULT, M. “História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Trad. M. Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2001, p. 28).
Como o objetivo aqui não é o de esmiuçar o conceito de sujeito em Foucault, mas lembrar essa bipossibilidade existencial do sujeito, voltemos a atenção para a Amy Winehouse, sobre a qual indagamos: morta, é possível colocá-la como exemplo de projeto humano que não deu certo? Ou será plausível a tentativa de vê-la como o ser humano que fez escolhas e, dialeticamente, concebê-la como alguém que, em meio a circunstâncias vivenciais, fez-se o que quis ser e viver?
Objeto do sistema, que a aplaudia como matéria midiática “rentável”, agora aparecem aqueles que querem tomá-la como anti-exemplo pedagógico, visando com isso à moralização de “Deus e o mundo”. Moralização, aliás, à qual ela não se rendeu, colocando em xeque as instituições e os paradigmas existenciais que os burgueses tanto querem submetidos à “assepsia moral” que engendraram, mantidos nos limites do espartilho “3 por 4” de um materialismo que oblitera o dado humano e não se  importa muito com a complexidade existencial subjacente a ambos.
É nesta perspectiva que Amy Winehouse pode ser vista: como um sujeito ético, dado à autoeducação, à educação de si. Ela cunhou para si mesma um estilo existencial entre a objetificação (assujeitamento) e o poder de escolha (liberdade). Viveu esperneando e se entregou ao caminho que melhor lhe pareceu merecedor de suas preferências. Envidou esforços para encarar as relações de saber, poder e verdade como vias antropossociais que mereceram dela a decisão de transformar-se em um questionamento vivo em face das condições reais de existência.
Nesse sentido, Amy Winehouse não é vítima de nada, nem de ninguém; não funciona como algoz de sua própria carne. Também, parece-me, não pode ser tomada como exemplo (ou anti-exemplo) que possa funcionar como fonte de moralidade aos que ainda vivem.
A mim me parece que ela foi um ser humano que tentou ombrear o peso de existir. A seu modo, viveu tentando as próprias trilhas, as quais, em comparação com os caminhos que ainda estamos a palmilhar, talvez tenham sido muito curtas. Curtas demais!

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